segunda-feira, 23 de abril de 2012

Aborto é decisão das mulheres, não do Estado





Por Luis Fernando Veríssimo (*)

A questão da liberação ou não do aborto é uma questão antiga como a tragédia grega.

Em “Antígona”, escrita séculos antes de Cristo, Sófocles já tratou do que é, no fundo, o que se discute hoje, os limites da intervenção do Estado na vida e nas crenças das pessoas. Antígona quer enterrar seu irmão, morto em guerra contra Tebas, e por isso condenado pelo rei de Tebas a permanecer insepulto.

A peça é sobre o confronto de Antígona com o rei Créon, do sentimento com a lei, do individuo com o Estado, do poder da compaixão e dos rituais familiares com o poder institucionalizado e prepotente.

A lei de Tebas proíbe o sepultamento do irmão de Antígona, que se rebela e o enterra assim mesmo, com o sacrifício da própria vida.

Em gerações ainda por vir o confronto de Antígona e Créon se repetirá. No caso do aborto, em países como o Brasil em que a legislação a respeito ainda não foi modernizada, a intervenção do Estado chega às entranhas da mulher.

É a lei que decide o que a mulher deve fazer ou não fazer com o filho indesejado, ou que ameaça a sua vida. E esta é uma decisão que deveria acontecer o mais longe possível de qualquer consideração legal, no íntimo da mulher, que é dona do seu corpo e do seu destino.

Nem é preciso lembrar que a legislação atrasada força mulheres a recorrer ao aborto clandestino, em condições precárias, com riscos que não existiriam no caso da legalização.

Discute-se quando começa a vida, o que equivale a fixar em que ponto o feto, de acordo com a lei, passa a ser protegido do Estado. Mas do começo ao fim da gestação o feto faz parte do corpo da mulher. O ideal é o processo se completar sem interrupção, ninguém quer a banalização do aborto, mas até a criança ser “dada à luz” ela pertence à mulher, a quem cabe tomar decisões sobre sua vida tanto quanto sobre sua própria vida.

O Estado não tem nada a fazer neste arranjo particular, salvo assegurar as melhores condições possíveis para o parto ou para o aborto.

SEM SEPULTURA

A analogia com a peça de Sófocles também serve para o que se pretende com a investigação do que houve durante a repressão aos contestadores do regime militar.

No caso a analogia é ainda mais apta, pois um dos objetivos da tal Comissão da Verdade é localizar os corpos dos insurgentes mortos, que permanecem não insepultos, mas em covas desconhecidas, enterrados sem cerimônias ou identificação.

Antígona quer que o Estado devolva o corpo do seu irmão à família, para enterrá-lo. Ele não pertence mais ao Estado, nem a quem o armou para atacar o Estado. Não pertence mais à História. Agora é apenas um irmão morto sem uma sepultura digna.

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(*) Publicado em 19.04.2012 no Blog do Noblat. Escrevi sobre este tema anteriormente (aqui) e publico este texto, pela forma brilhante de escrever do autor, e com a concordância no que se refere à anencefalia, comprovada e atestada. Exageros à parte, concordo com tudo. Programei isto para sair na segunda, se minha conexão em Gravatá estiver como sempre. (LP)

Um comentário:

  1. É a mulher, que deve decidir se mmata ou não mata? O direito ao próprio corpo, seria um direito natural? Tenho muitas dúvidas, Não é Luiz Fernando? Você não tem ? Devemos Matar nossas almas prematura e conscientemente?

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