quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Rapinagem





Por Luis Fernando Veríssimo (*)

A melhor observação que li sobre a crise das dívidas na Europa foi a de um leitor da “London Review of Books” que, numa carta à publicação, comenta as queixas dos alemães inconformados com a obrigação de mandar seus euros saudáveis para sustentar a combalida economia grega.

O leitor estranha que ninguém se lembre de perguntar sobre as grandes reservas de ouro que os alemães levaram da Grécia durante a Segunda Guerra Mundial — e nunca devolveram. Só os hipotéticos juros devidos sobre o valor do ouro roubado dariam para resolver, ou pelo menos atenuar, a crise grega.

O autor da carta poderia estranhar também o silêncio que envolve um exemplo mais antigo de pilhagem, a dos tesouros artísticos da Grécia Antiga levados na marra e de graça para os grandes museus da Alemanha. Seu valor garantiria com sobras a ajuda aos gregos que os alemães estão dando com cara feia.

É claro que se, num acesso de remorso, os alemães decidissem devolver ou pagar o que levaram da Grécia estaria estabelecido um precedente interessante: a América poderia muito bem reivindicar algum tipo de retribuição da Europa pelo ouro e pela prata que levaram daqui sem gastar nada e sem pedir licença, durante anos de pilhagem.

Que não deixaram nada no seu rastro salvo plutocracias que continuaram a pilhagem e sociedades resignadas à espoliação. Alguém deveria fazer um calculo de quanto a metrópole deve às colônias pelo que não pagou de direitos de mineração no tempo da rapinagem desenfreada. Só por farra.

Quanto às reservas de ouro levadas da Grécia pela Alemanha nazista, a observação do leitor da “London Review” mostra como a História não é linear, é um encadeamento. A atual crise do euro e da comunidade europeia é a crise de um sonho de unidade que asseguraria a paz e evitaria a repetição de tragédias como as das duas grandes guerras.

Sua meta era uma igualdade econômica, que dependia de um equilíbrio de forças, que dependia de a Alemanha como potência econômica ser diferente da Alemanha que invadiu e saqueou meia Europa.

Os alemães atuais não têm culpa pelos desmandos dos nazistas, mas não podem renunciar à força desestabilizadora que têm, que continuam a ter. Como a Grécia não pode evitar de ter saudade do seu ouro, do qual nunca mais ouviu falar.

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(*) Publicado no Blog do Noblat em 12.08.2012. Eu continuo minha saga de escrever pouco, mas, deixar para os meus leitores textos melhores do que os meus. Por isso não cito aqui o Zé Dirceu e muitos outros. Já o Veríssimo no passado e no presente é sempre uma fonte inspiradora para que eu faça estes comentários terminais.

Tratando-se da Grécia, até que eu concordo que seus tesouros, principalmente, sua civilização valham mais do que os euros que a Alemanha hoje sonega aos gregos. No entanto, não se pode generalizar para todas as colônias, principalmente, para nosso país, onde houve, uma troca mais do que justa, entre nosso ouro e a civilização dos imigrantes, embora “justiça” neste caso, não seja uma noção muito precisa.

Penso que, se tivéssemos ficado aqui, com os nossos habitantes originais, o que teríamos seria uma grande universidade, pois o sistema de cotas levaria todos a ter curso superior porque seríamos todos índios. Um dia eu volto a esta lei da cotas, se Deus quiser. Eu não tenho curso superior, tenho um pé na cozinha, igual ao Fernando Henrique, estou apta a entrar na Universidade pela cota racial (sou parda), mas não o farei nem morta. Odiaria sair com meu canudo e ouvir alguém me apontar: “Lá vai a cotista!”. Cruzes! (LP)

P.S.: Quando fui publicar o texto anterior, também do Veríssimo, vi que em meu laptop havia este, também sobre o Veríssimo, que o programei para hoje, enquanto ainda sofro as agruras de um lugar sem conexão e triste.

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